terça-feira, 3 de outubro de 2000

Bem vindo ao Dilema # 03 por Ronaldo Barata

HQ SEM FRONTEIRAS

Eu nasci em 1979 e cresci lendo quadrinhos. Li todo tipo de quadrinhos que pude, de todas as nacionalidades que encontrei, com as temáticas e idéias das mais diversas. Li muita coisa boa e muita coisa ruim também.

Não me contentei apenas com os materiais que eram lançados naquele período e fui atrás de antigas publicações, de materiais produzidos e publicados antes de meu nascimento.

Também não me dei por satisfeito e comecei a estudar desenho e HQs. Conheci pessoas que produziam (e ainda produzem) quadrinhos. Me “enfiei” entre eles e estou aqui até hoje.

Durante todo este processo, vi muitos tipos de manifesto – e confesso que algumas vezes até militei – a favor do “quadrinho nacional”. Mas ocorre que, quanto mais eu me aprofundava em arte e quadrinhos, quanto mais eu conhecia e entendia o processo e todos os pormenores desta mídia, menos o discurso nacionalista fazia sentido.

Porque, ao se aprofundar nas letras, artes e balões das HQs eu comecei a perceber que as histórias tinham mais relação com seus autores e o que eles queriam dizer ou mostrar do que com os países onde estas obras eram produzidas.

Foi aí que percebi que quadrinhos (e as artes de maneira geral) não tem passaporte, tem autor.

Mas, claro, o discurso nacionalista continuou. “Salve o quadrinho nacional!” bradavam várias vozes, como se HQ brasileira fora um animal em extinção.

O que as pessoas não entendem é que há quadrinhos nacionais por aí. E muitos! E bons!! Mas brasileiros não são os únicos no mundo a fazer boas HQs... E se eu quiser ler uma história feita na Bélgica? No Japão? Ou até mesmo no “famigerado” Estados Unidos da América? Qual o problema nisso?

Só porque nasci no Brasil sou obrigado a ler apenas o que se produz aqui? E mais, porque o discurso não se limita à questão de fazer quadrinhos no Brasil, mas também prega fazer histórias apenas sobre temas da cultura brasileira.

Serei eu condenado a ler apenas HQs sobre o saci, boitatá e curupira, como se a cultura brasileira fosse apenas isso?

Monteiro Lobato é um dos maiores nomes da literatura brasileira e usou em suas obras muito mais do que o folclore tupiniquim – a mitologia greco-romana era muito presente no Sítio do Pica-Pau Amarelo... Isso faz de Monteiro Lobato menos brasileiro? Faz de suas obras piores ou menos importantes? Claro que não!

Às vezes eu tenho a impressão que os militantes do quadrinho nacional imaginam que há um grupo de super-vilões manipulando o mercado e com o intuito de escravizar todo o povo brasileiro. Não é por aí.

Sempre há uma troca de culturas. Nossa sociedade sofre influências da cultura estadunidense assim como a deles sofre influência da nossa.

Cultura é sempre cambiável, uma “via de mão dupla”. E todas as formas de expressão cultural são importantes, de maneira equivalente.

O ponto fundamental é ser a obra boa ou não. Os temas e a nacionalidade não importam.

Não somos mais importantes que ninguém. Não somos melhores. Somo iguais.

Por isso chega destes discursos vazios de supremacia cultural... Intercâmbio é muito mais legal e muito mais enriquecedor.

É isso.

3 comentários:

  1. exatamente! pois quanto mais ilimitados, seremos culturalmente mais ricos e livres,

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  2. Oi, olha, é muito bonito este discurso de universalização da cultura e HQs. mas o fato é que, de quadrinhos brasileiros, praticamente os brasileiros só conhecem turma da mônica. talvez holy avenger? de resto, é mangá e super-heróis, e também europeus pros que foram um pouco mais longe. quadrinho brasileiro me parece um tanto desconhecido pra todos por aqui, limitando-se a edições "autorais" alternativas. é claro, mas também, como é que se vai estimular? com verba governamental? é uma hipótese... mas com certeza eles precisarão ser bons e divertidos o suficiente para se manterem no gosto popular e terem vida própria. não que só tenhamos que radicalmente ler sobre temas nacionais (o que é mais para ditaduras como na Coreia do Norte, China, Cuba, que acredito terem ao menos cotas pra isso), mas seria legal não ficar apenas bitolados em culturas alheias.

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  3. Oi Mauricio.
    Sim os quadrinhos ainda são um universo meio desconhecido para os brasileiros... mas não só os quadrinhos nacionais. Vc exclui o Superman, o Batman, o Homem-Aranha e a Turma da Mônica e, a maioria das pessoas não faz ideia do há de quadrinhos por aí.
    Eu conheço gente que vê Naruto e o filme dos X-Men e não faz ideia que são baseados em HQs!
    Este é o ponto: Os brasileiros não conhecem quadrinhos, sejam nacionais ou não. Há de existir incentivo à leitura e à mídia dos HQs... o resto é bobagem.
    E obrigado pelos comentários!

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