sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Desenho Infantil: Parte II

Como já disse antes, quando um artista escolhe trabalhar com os temas ou materiais que envolvam o tal desenho infantil, ele deve ter consciência de que existem muitos fatores a serem observados dentro deste contexto profissional. Isso por conta do público ao qual se destina este material. Podem ter certeza disso... Minha experiência e estudo relacionado ao desenho infantil foi o mais complexo de todos.

O público do infantil é o mais delicado de todos. Tem que se tomar muito cuidado com todas as informações passadas a esse público seja em termos de conceito, texto ou imagem. Por exemplo, em se tratando de texto, a construção de uma frase deve ser precisa e direta para que não haja nenhum tipo de leitura paralela, de sugestão de alguma idéia ou conceito que possa causar qualquer tipo de interpretação equivocada, estranhamento ou mesmo um nível de rejeição dos pais em relação ao material. A mesma preocupação vale para o desenho infantil em todas as suas formas gráficas, seja na estruturação de um personagem ou na maneira como se compõe uma cena. Isso acontece porque estamos trabalhando com um público em formação, e pais e educadores estão atentos a tudo que é apresentado.

Digo isso porque como trabalhamos com palavras e imagens, sabemos que elas traduzem conceitos. Sabemos também que existem muitas maneiras de passarmos estes conceitos de maneira subjetiva... Todos sabemos que em cada obra, existem níveis de entendimento. Uma imagem fala muito, e, muitas vezes fala coisas que estão além do entendimento de alguns... Mas não de todos.

Como no desenho infantil trabalhamos com estruturações mais subjetivas das formas, na intenção de transferir a elas conceitos, sentimentos, aspectos de personalidade e por aí vai, trabalhar com este layers de informação não é muito difícil... Qualquer profissional que domine esta arte pode direcionar estes conceitos de maneira subliminar. Assim, existe este tipo de preocupação em relação à como se aplica essa informação.

Deixando mais claro; se, por exemplo, você como artista cria um braço diferente para seu personagem, um braço que seja apenas a representação gráfica de um braço, existe a preocupação de que esta representação gráfica não esteja querendo dizer alguma coisa a mais em termos filosóficos, políticos, religiosos e pro aí vai. Lembre-se que os símbolos gráficos têm muita força. Da mesma maneira, se você constrói uma determinada cena, e decide que ela tenha quer ser vista como se estivesse observando tudo de cima, deve entender que o uso da perspectiva como ferramenta narrativa também existe, e assim, você pode estar querendo dizer alguma coisa a mais quando mostra aquela cena específica vista de cima.

Outro tópico importante sobre como é trabalhar com desenho infantil, é que ele exige a necessidade da clareza de informação gráfica imediata. Por exemplo, a identificação das características físicas de um personagem pelo público tem que ser instantânea. Neste ponto a possibilidade de o artista criar uma identidade gráfica dos personagens torna a “estilização” uma ferramenta perfeita para essa identificação imediata. A coisa começa a ficar divertida, quando o artista começa o processo de criação e estruturação das formas, porque é aqui que o artista mostra todo seu conhecimento. Para que o personagem seja reconhecido em qualquer postura, ou perspectiva, a construção desta estrutura deve ser muito bem pensada.

Estruturar graficamente um personagem é um processo que leva tempo, dá muito trabalho, e exige muito conhecimento artístico.

No desenho infantil, vemos muitos estilos e maneiras gráficas de se criar uma forma. Mas nem todas funcionam em termos mecânicos e principalmente em termos de conhecimento estético...

Por “mecânicos”, quero dizer todo o planejamento de como o personagem se movimenta, como anda, senta, espirra, olha, ri, pula, deita, corre, e por aí vai. Quais suas posturas características básicas de personalidade... Como ele gesticula. E não é só definir isso, é saber se o estilo gráfico definido para cada personagem dentro de um universo comum, por exemplo, funciona bem esteticamente em todas as situações em que o personagem se meter. É saber se aquela estilização de nariz, boca, olhos, cabelo, braços, mãos, dedos, tronco, pernas, pé, sapato e por aí vai, funciona quando visto em outras posições e em outras perspectivas. Isso é mecânica. No desenho infantil ou estilizado, isso é muito importante, porque cria consistência dentro da informação gráfica.

E a coisa continua e se complica, quando o artista compreende que aquela visão gráfica que ele estabeleceu para seus personagens, vai ter que ser compatível com todo o resto do universo que cerca o personagem. Isso é; carros, casas, cadeiras, velas, mesas, pratos, talheres, roupas, aviões, arvores, bicicletas, ondas, pedra, terra, metal... Tudo o que você criar em termos gráficos terá de seguir os moldes de estilo que você assumiu como regra, como lei, quando criou seu personagem e seu universo. Não só no desenho infantil, mas em qualquer outro processo de criação gráfica, é a isso que chamamos de Style Guide (guia de estilo) e depois, em um próximo passo, de Model Sheet (a estruturação e o planejamento mais mecânico de cada um dos personagens vai “funcionar”)... Em um trabalho mais profundo chamamos isso de direção de arte, porque estabelecer estas regras também se estende para a paleta de cor (os tons usados neste universo gráfico e o estilo de colorização a ser assumido) e estilo de composição de cena que você vai ter que adequar de maneira equilibrada e totalmente inserida neste contexto gráfico... Se você achou tudo isso muito complicado, a pior parte vem agora... É o que eu falei sobre conhecimento estético.

CONTINUA

Desenho Infantil: Parte I
Desenho Infantil: Parte III

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